sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Tribo Kaingang

O contato dos Kaingang com a sociedade envolvente teve início no final do século XVIII e efetivou-se em meados do século XIX, quando os primeiros chefes políticos tradicionais (Põ’í ou Rekakê) aceitaram aliar-se aos conquistadores brancos (Fóg), transformando-se em capitães. Esses capitães foram fundamentais na pacificação de dezenas de grupos arredios que foram vencidos entre 1840 e 1930. Entre os desdobramentos dessa história, destacam-se o processo de expropriação e acirramento de conflitos, não apenas com os invasores de seus territórios, mas intragrupos kaingang, uma vez que o faccionalismo característico dos grupos jê foi potencializado pelo contato. Os Kaingang vivem em mais de 30 Terras Indígenas que representam uma pequena parcela de seus territórios tradicionais. Por estarem distribuídas em quatro estados, a situação das comunidades apresenta as mais variadas condições. Em todos os casos, contudo, sua estrutura social e princípios cosmológicos continuam vigorando, sempre atualizados pelas diferentes conjunturas pelas quais vêm passando.

População

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Estimava-se uma população kaingang de 25.875 pessoas vivendo em 32 Terras Indígenas (Funasa, 2003). No entanto, verifica-se a presença de famílias vivendo nas zonas urbanas e rurais próximas às TIs. Na grande Porto Alegre-RS surgiram três grupos kaingang que passaram a viver na cidade e um já conseguiu local para construir a aldeia. São grupos formados por uma família extensa inteira ou parte da que permaneceu na TI de origem.  Na zona rural a presença kaingang se dá por unidades familiares ou individualmente, que, pela impossibilidade (econômica ou política) de viverem nas TIs, passaram a viver como trabalhadores não qualificados em fazendas e sítios das regiões próximas às aldeias. Se computadas todas essas famílias, o contingente populacional kaingang poderá chegar a 30 mil.
É importante registrar que os censos realizados até o presente são bastante precários porque as famílias kaingang mudam-se freqüentemente de aldeia e de TI pelas mais variadas razões e essa dinamicidade dificulta a sua visibilidade. O crescimento vegetativo é considerado bastante alto e, mesmo com elevado índice de mortalidade infantil, quando os censos são divulgados, estes já se encontram defasados.

Arte e cultura material

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Os relatos de viajantes e pesquisadores do passado registraram a riqueza das artes e da cultura material kaingang. Fabricavam armas de guerra e de caça, tecidos de fibras de urtiga brava, talas de caraguatá, cestos de taquara de vários tamanhos e formas para fins diversos, enfeites e adornos e utensílios de cerâmica e porongos (cabaças).

Armas

As principais armas de guerra constituíam-se em arcos (uy), flechas (dou) e lanças (urugurú). As pontas das flechas eram de osso de macaco bugio (gòg) e mico (kajér), mais tarde, passaram a ser de ferro obtido dos brancos. Os arcos eram feitos de pau d’arco (Tabebuia Chrysantha). Antes da aquisição do ferro os Kaingang “forjavam o bastão do arco em forma de curva, friccionando-o com pedra arenosa e com lâminas de pedra, e o alisavam com as ásperas folhas de umbaúba (Cecropia sp.)”, aquecendo-o depois contra o fogo e untado com gordura (Métraux, 1949). As lanças eram guarnecidas com pontas de ferro obtidas junto aos brancos. Alguns arcos mediam de 2.10 a 2,40m, mas podiam chegar a 2,70m. Cabeças de flechas eram feitas de taquara larga, de varas farpadas, de varas de madeira, apontadas com afiada ponta de osso de macaco ou veado, ou ainda com arrebites de madeira, para pegar passarinhos.
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Ainda segundo Métraux, as clavas dos Kaingang no Paraná eram bastões curtos e cilíndricos, recapeados com trançado. Os índios decoravam as clavas com gravação a fogo e cada adulto masculino possuía um estojo de cestaria. Já as clavas dos Kaingang no Estado de São Paulo tinham a cabeça abaulada e mediam de 1,50 a 1,80 m.
Horta Barboza também descreveu as armas dos Kaingang esclarecendo que eles usavam arcos de dimensões e forças proporcionadas ao emprego a que se destinassem: os de guerra tinham cerca de dois metros e também serviam para caçar animais de grande porte como a onça e a anta e eram tão grossos que a mão mal podia abarcar. Os destinados a matar macacos e outros animais de menor porte eram muito mais leves, curtos e finos. A dimensão das flechas não devia exceder a altura da pessoa que as fabricasse para seu uso.
Atualmente alguns Kaingang fabricam arcos e flechas apenas como enfeites para venderem como souvenir no mercado. Não fazem mais guerras e, quando caçam – atividade cada vez mais rara – utilizam-se de espingardas.

Instrumentos musicais

Entre os instrumentos musicais dos Kaingang, Borba (1908) cita os seguintes: buzinas de chifre de boi ou taquara (oaquire), flauta de taquara (coqué), maracás (xii; xik-xi), apitos de taquara e outro instrumento de taquara fina encabada em uma cabaça furada nas extremidades (õtõrêrê). Encontramos quase todos esses instrumentos na Terra Indígena Xapecó-SC durante as cerimônias do kikikoi (ritual dos mortos).
Nas festas profanas atuais encontramos músicos kaingang que aprenderam a tocar violão, acordeão e até guitarra elétrica. Há vários grupos musicais que tocam nos bailes e também nas missas e cultos religiosos nas várias igrejas que existem dentro das aldeias kaingang.

Grafismo kaingang

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Pesquisas recentes sobre grafismo kaingang realizadas pelo antropólogo Sérgio Baptista dos Santos (2001, NIT-UFRGS) vêm revelando aspectos etnográficos importantes, aqui apresentados de forma sintética. Os grafismos aparecem em uma grande variedade de suportes como trançados, tecidos, armas, utensílios de cabaça, cerâmica, troncos de pinheiros, etc. e nos corpos dos Kaingang.
Os trançados revelam formas e grafismos relacionados à cosmologia dualista dos Kaingang, evidenciando a organização simbólica dos mundos social, natural e sobrenatural em metades kamé e kairu. Téi ou ror são os nomes das marcas (ra) ou grafismos (kong gãr) que identificam, respectivamente, as metades kamé e kairu.
Como regra geral, os grafismos, morfologias e posições/espaços considerados compridos, longos, altos, abertos são denominados téi e representam a metade kamé. Por outro lado, os grafismos, morfologias e posições/espaços vistos como redondos, quadrangulares, losangulares, baixos, fechados, são chamados de ror e representam a metade kairu. Alguns grafismos, no entanto, podem apresentar fusão dos padrões téi e ror e são denominados ianhiá (marca misturada) e apareciam nos mantos de urtiga (kurã; kurú) de alguns caciques, nos troncos de pinheiros marcadores dos limites dos territórios de coleta de pinhão de cada grupo local, nas flechas de alguns caciques e ainda nas pinturas corporais.
Os grafismos kaingang também aparecem nas pinturas rupestres e na cerâmica arqueológica Proto-Jê Meridional. Para Baptista da Silva, a ligação mais fundamental e importante para a percepção deste sistema de representações visuais é aquela que vincula os grafismos da cerâmica arqueológica (reconhecimento Proto-Jê do sul) com os grafismos rupestres do Brasil Meridonal, possibilitando que o conjunto assim formado possa ser comparado com os grafismos históricos das sociedades Jê Meridionais. Tal comparação é amplamente possível em relação aos Kaingang. Quanto aos Xokleng, ela é parcialmente possível” (Baptista da Silva, 2001:13).

Fonte: http://pib.socioambiental.org/pt/povo/kaingang/2345

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